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B\u00f4leias berlim/bangkok

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Enfim, na
mesa do outro lado da sala, um grupo de jovens voluptuosos, vociferando
palavras em estranhas tonalidades, fazendo bagunça, uns andando em redor da
mesa, clamando, outros instalados em cadeiras de roda, deixando cair coisas no
chão encerado, e umas pessoas mais adultas movendo-se em seu redor, com certeza
os seus cuidadores, silenciosos, não se aproximando demasiado, deixando-os de
certa maneira na sua liberdade de criar a bagunça que carecem ou entendem. Assim,
demasiado concentrados nos seus afazeres, eles, os daquela mesa, parecem não
reparar em nós. E quando digo nós quero dizer, eu, tu, alguns turistas de baixo
nível, e os hipotéticos trabalhadores fabris/motoristas de camião de
fato-macaco vestido. Por conseguinte, no seguimento, uma bola de ténis vem cair
aqui na nossa mesa, e um rapaz de olhos tortos e ar um pouco púbere vem no seu
alcance, mas quando chega mesa já não quer a bola, chega-se antes a mim, com
um ar um pouco indignado, e pergunta-me algo que eu não entendo. Então um
desses turistas de T-shirt branca, que eu dizia de baixo nível, assume-se como
tradutor e retribui a pergunta em inglês. E a pergunta é \u201cqual seria o meu
clube de eleição?\u201d E eu, um pouco espalhado na questão, digo-lhes que não tenho
clube de eleição, que vou com todos e não pertenço a nenhum, mas de alguma
forma, prefiro os axadrezados, os pretos e brancos, seja em que modalidade. E
digo isto fazendo manobras com as mãos, apontando para o tecto e para o chão, e
ninguém entende nada, alguns riem, outros puxam-se, e afins personagens da mesa
ao lado se vêm juntar a esta, fazendo mais perguntas, rapaziada andrógena
confraternizando com os operários fabris, querendo fazer brindes com sumos
misturados com café chicória e batata frita, e a empregada de limpeza
aproveitando para limpar debaixo da mesa oposta, silenciosamente, enquanto
ninguém está a ver, e um rapaz louro de olhos grandes, avermelhados, que saiu
não se sabe de onde, dirigindo-se não sei se a ela, se a mim ou a vocês:



\u201cVocê pensa que pensa\u2026 mas eu acho
que no fundo, você cavaca que tudo nada mais é que logro e quimeras. Todos nós
pensamos isto e naquilo, mais precisamente, incontáveis \u200b\u200bplanos para enganar o
mundo salvaguardando a nossa pele, acontece que, podemos precisar de uma guia,
ou melhor, uma guia, não importa o tamanho dos enseios, podem vir a ser até
como esta pelota\u201d diz ele apontando para a bola de ténis que tem nas mãos... E
continua. \u201cAlguém que goste de dançar quando se trata de cenas sujas... Enfim,
devo dizer, o meu cinismo é aparentemente e superficial, eu sei, na verdade
acredito que esse/este sistema que nos rege é único e não há falhas. Logo todas
as acções são perfeitas, e se Deus é macabro nós somos por isso a raiz cúbica
do seu projecto de derribamento. Portanto, a crise existe porque o homem não
pode viver só de sonhos, devemos ter alguma verdade... E sim, aconselho-vos, a
vocês também, não fiquem muito tempo no meio-termo que isso vos pode trazer
certos mal-entendidos a curto-médio-longo prazo, podem acabar sendo isca para
musgo-troopers, e esses te podem sequestrar e levar a tribunal para explorar
todos teus sentimentos e pensamentos reprimidos. Quer dizer, s vezes você pode
até proclamar, \u201cme sinto tão cheio dessa merda toda\u201d, mas você sabe, sabem até
melhor que eu, que os problemas das pessoas são quase sempre os mesmos em
qualquer lado que um indivíduo vá, na verdade as pessoas criam problemas para
se divertir resolvendo esses mesmos problemas. E sim, há que meter os pés pelas
mãos na hora de vender o pescado... Todos nós já rastejamos sobre solo
enlameado e estamos agora mesmo ejaculando fluidos anacrónicos em várias
direcções e sentidos... Fluidos que tanto podem corromper essa tua sagrada
vontade de poder, como os venerados ossos do ofício... Mas não será nada...
relaxem... Fiquem onde estão, calmos, enquanto eles, os outros, discutem o
sentido das coisas, vocês podem regambolear\u2026 podem continuar com o pequeno
julgamento faz-de-contas... Não há necessidade de forçar a coisa, o radiador
radiante da vontade continuará exprimindo o seu aguo\u2026\u201d



E posto isto,
entretanto, eu e o rapaz louro de olhos grandes e brinquinho caminhamos já ao
longo do Landwehr Canal, atravessamos o Böcklerpark park, a Kottbusser Brücke e
o turkish market e ele vai insinuando coisas sobre as acções perfeitas e eu
sobre as acções imperfeitas, depois trocamos de posições, passamos em frente ao
Lidl e ao Edeka Lawrenz e chegamos ao Sportanlage Maybachufer, onde se dá uma
bifurcação no canal, e ele, esse meu camarada do brinquinho, segue para sul, e
eu, a minha santa pessoa, vai para este, na direcção do Treptower Park. Já
nesse parque, um outro bacano de óculos escuros redondos e minúsculos, chega
por trás de mim dá-me uma palmadinha e juntos abalamos dali e atravessamos a
dez, que é uma auto-estrada que anda volta da cidade e embrenhamo-nos naquele
que é o Wernsdorf parque, um santuário para aves migratórias, e metemo-nos por
pântanos adentro, atravessamos uma área de bosque com pessoas vivendo em barcos
que mais parecem naves espaciais e moradias totalmente moradas, e a seguir
voltamos a um outro parque mais citadino, com estátuas gigantes de homens e
mulheres apontando para o céu e dai a nada, um turista vindo sabe-se lá de onde
aproxima-se e começa a disparar em todas as direcções, dispara sobre os
arbustos, sobre as pedras, sobre as árvores, sobre o chão, e pás, o filha da
mãe acaba de tirar uma fotografia minha santa pessoa, eu aqui com as mão
ocupadas, tentando enrolar uma coisa desenrolada\u2026 mas assim que me levanto a
criatura desaparece\u2026 e portanto, torno a sentar-me, desta vez mesmo ao lado da
estátua, essa que está apontando a arma para o céu. Depois, quando já tenho
tudo preparado, aparece novamente o rapaz do brinquinho, aquele que me
acompanhou desde o hostel, está com um ar um pouco esgazeado\u2026 diz ele que as
pessoas deste país são deploráveis... Fazem-se boazinhas, mas no final apenas
criticam, e sempre criticam por trás, ou seja, não passam de um bando de
hipócritas, uma fachada, mas não há-de ser nada... relaxemos..." e assim
falando, sai o gajo a correr na direcção do fotógrafo, desaparecem os dois
pântanos adentro, levantando aves grisalhas sua passagem\u2026



E é assim que
abandono Berlim, faço-me Suíça, atravesso as montanhas do Tirol e logo me
passo ao norte da Itália. Dai a nada já estou em Veneza a usurpar turistas. Uns
dias mais tarde chego a Bari, atravesso o adriático e atraco na costa da
Albânia. Em Durrães levam-me a passear num Mercedes Benz antiguíssimo e acabo
pagando com tudo o que tinha no corpo. E assim a vida. Agora um camionista que
vem falando da sua mãe todo o tempo traz-me para Istanbul. Acordo numa espécie
de quarto chique com retractos de paxás gigantes na parede, e há tapetes com
motivos geométricos e letras árabes no chão e no tecto um enorme candelabro cor
de ouro, pendurado mesmo por cima da minha cabeça. Mil e um diamantes falsos
dependurados sobre mim, se movendo lentamente. Pode ser ilusão, mas sinto-me
apreensivo e mal disposto, como se estivesse de ressaca. Então, pulo logo para
fora da cama e saio correndo porta fora procurando um banheiro, faço por
vomitar, mas não consigo. Não sai nada. Apenas cuspe, um pouco amarelado. De
volta ao corredor, ainda limpando os cantos da boca e piscando os olhos como
quem acaba de acordar para o mundo, pois a luz que entra pela janela do fundo é
fortíssima. E mais uma vez, paredes adornadas com tapetes de motivos florais,
padrões de labirintos geométricos no tecto, e há uma porta aberta para o lado
direito do corredor, lado contrario ao quarto donde tinha saído antes. Ao meter
a cabeça dentro vejo que se trata dum salão, entro e, deparo-me com um homem
sentado num luxurioso sofá, imóvel, com as mãos na cabeça, ou melhor na face,
tapando a cara e imitindo um som como que murmurando, ou rezado.



E eu já
com um televovel/celular na mão, meto a fazer voice detenction, e consigo a
tradução em direto, que vai mais ou menos assim: \u201cAntes que o mundo viesse a existir,
nos segredos ocultos da sua inexistência, eu estava sozinho com a realidade em
sua unidade... Ele criou o mundo; e eu o moldei; eu fui o seu designer. Eu fiz
minha aparição de fogo. Vim ao mundo com o melhor dos homens. Eu tinha a mesma
idade de Adam. A bendita vara que dei a Moisés. Tornei-me o Espírito Santo. Fui
guia de todos os santos. Para Gabriel, o Fiel, eu era o companheiro e mão
direita e para esse mundo de - ser aniquilado em Deus - muitas vezes tenho ido
e vindo. Eu chovi com a chuva e cresci gramão como a grama. Eu era Bektash, que
veio de Khurasané\u201d e ao ouvir isto já estava eu enjoado outra vez. Corri de
volta ao banheiro e vomitei, desta vez vomitei mesmo. E enquanto estava lá
dentro, na casinha de mosaicos floreados, olhando minha palidez no espelho, a
voz pastiche continuava chegando até mim, através dos corredores, agora num tom
ainda mais grave, e como que em eco. \u201cBusca e vais encontrar! Encontrar o exame
aberto... Pois um caminho sem conhecimento terminará em trevas... Esteja portanto
no controle de suas mãos, língua e lombo... Faça o que fizer, mas faça-o pela
verdade... Existe em você um \u201chá\u201d para substituir todo o \u201cnão há\u201d (aqui o
tradutor atrofiou um pouco porque não existia verbo "to be" em
turco). Aquele que anda no Caminho nunca se cansa... Pois não há posto ou
posição superior ao amigo do coração... Quem é sábio mas não compartilha de sua
sabedoria é ignorante... E para o ignorante, abandonar o que não é mais
necessário, é morte; já para os sábios é nascimento... Não há remorsos para o
arrependimento... Deixe seu coração, suas mãos e seus planos abertos para os
outros... Procure a chave para tudo dentro de seu ser mais profundo... O que
quer que busque, olhe para dentro... Mas não se esqueça que seu inimigo também
é um ser humano como você... A beleza do ser humano é a beleza de suas
palavras... Portanto, se o caminho parecer escuro, saiba que o véu está nos
teus olhos... Todas as bênçãos sobre aquele que negligencia as deficiências dos
outros... Todas as bênçãos sobre aqueles que fazem dos segredos um enigma...
Não pise os outros, mesmo que você esteja ferido... Dê mãos s mãos que te
estão próximas e ao mesmo tão longínquas. Uma hora de meditação é melhor do que
setenta anos de piedade... Nunca deseje a fama, a fama é um desastre...\u201d. E
nisto o homem pára de arengar e tira as mãos da cabeça. E eu ali, aqui,
especado no meio da sala, olhando o ecrã do telefone, e olhando-o a ele,
intervaladamente, e ele virando-se agora para mim, para nós, e encarando-nos de
frente, diz Gunaydan (bom dia). \u201cMerhaba\u201d digo eu. \u201c"Sözleriniz için
te\u015fekkür ederiz, baz\u0131lar\u0131n\u0131 be\u011fendim, yar\u0131s\u0131n\u0131 anlayamasam da... ama evet...
iyi tavsiyeler, iyi hükümler, ve bu arada\u2026bilmek isterim\u2026 Neredeyiz? (Grato
pelas tuas palavras, gostei de algumas, mesmo que não tenha conseguido entender
metade da conversa... mas sim... Bons conselhos, boas provisões, e\u2026 já agora\u2026
gostava de saber\u2026 onde estamos?) E como aqui vim eu parar?\u201d; e ele esclarece
\u201cUm amigo trouxe você a mim...\u201d; \u201cComo assim!? Um amigo meu ou seu? Ou\u2026\u201d; \u201cUm
amigo meu, que trabalha de noite... mas não se preocupe, estás seguro aqui,
aqui é Kurtulu\u015f, não estamos muito longe de Taksim, mas espera\u201d diz ele
levantando-se, cambaleando ao cruzar a sala. \u201cVou trazer algo para curar sua
dor\u201d acrescenta. \u201cMas volte para a cama, precisa descansar\u2026\u201d Então peço-lhe um
cigarro, mas ele diz que não fuma, e sai da sala, tombando contra as paredes,
talvez devido ao tamanho excessivo da sua bunda.



Entretanto,
reentrei na balsa, dei voltas e mais voltas, inspeccionando as ondas,
inspeccionando as pessoas sentadas aqui e ali nesses bancos de madeira com
almofadas persas. Pessoas mudas. Todos primos de reis asnos aqui vieram para
aliviar sua ambição, pensa o meu outro eu. E o enjoo do mar enlaçando
suavemente a miserável e pretensiosa gentileza deste povo. Mas, ainda olhando
em volta, constato que quase todos os homens são barbudos, quer sejam jovens,
adultos ou velhos. Alguns coçando o bigode, etc. Certos e determinados
conversando com parceiros temporários de viagem, outros em silêncio olhando
para o nada, lá fora, semblantes deprimidos, bebericando seus chás
paulatinamente. E de vez em quando, esses beberrões de chá me olhando nos olhos
como se quisessem contaminar minha alma com seu cansaço. Alguns, lendo jornais,
livros, brindes, fazendo de conta, mirando apenas. As mulheres, ora
pestanejando, ora ocupadas com os seus iphones, algumas comendo biscoitos
distraidamente, outras comprimidas contra seus amantes, fingindo dormir, outras
ainda conversando com suas irmãs, primas, outras simplesmente olhando em
frente, lá fora, pseudo estudantes com cabelo azul, vermelho, rosa,
contrastando de forma excêntrica com as principais fachadas bege da cidade.
Outras, uma minoria, com aquele lenço cobrindo a cabeça, falando pelos
cotovelos, mas não demonstrando grande entusiasmo. Mesmo assim, sorrio para uma
delas e, surpreendentemente, ela me sorri de volta, mas evita olhar-me
novamente, porque há o olhado de um velho ao lado, um desses segurando um colar
de contas nas mãos, e eu mostrando-lhe o meu cavalo sombrio. Depois canso-me
desse contacto visual e subo ao primeiro andar, ao ar livre. Está frio, mas não
importa. As gaivotas voando ao redor da balsa, guinchando como loucas, noite e
dia, na sua habitual cínica expressividade. As pessoas aqui em cima são pouca,
e estão como que escondidas, fumando e bebendo cerveja pelos cantos. Logo qui
ao lado vejo um rapaz de casacão, encostado a um pilar, fumegando, aproximo-me
e peço-lhe um bosh cigara. Ele sorri levemente. Parece ser um bom tipo. Quer
dizer, neste país, podemos mais ou menos julgar as pessoas pela sua fachada,
isto é, a maioria das pessoas aqui parecem ser verdadeiras na primeira
abordagem. Práticos, curiosos e fáceis de lidar. Normalmente, dizem o que lhes
vem toa. Mas claro, nem tudo é um mar de rosas, o Marmara, esse mar de ondas
supérfluas e redemoinhos cabeludos, mais não é que uma espécie de vala comum
para medusas manhosas absorvedoras de um certo tipo de dor peçonhenta, chok
cultural, que vai sendo reciclado de geração em geração. \u201cNem somos asiáticas
nem somos europeias\u201d, dizem elas, as medusas. \u201cEstamos no meio de três mares,
cada um com o seu drama e revelações\u201d; insistem ainda, \u201cNossos ancestrais eram
xamãs; agora novos capitalistas implantando um mercado livre selvagem povoados
de marcas falsas se roubando umas s outras, como podem... e deixando para nós,
uma mistela incomparável de fungos, cifrões e bílis\u201d.




E agora Bartuck, esse que que estava encostado no corrimão da borda do
barco, e me deu o bosh cigara, diz assim: \u201cO dinheiro deve ser gasto até não se
ver mais os números na coroa\u201d. Conversa puxa conversa, Bartuck diz ainda que
gosta de Zepelins conduzindo escadas para o céu, se é que subentendem. Diz ele
ser originário de Adana, no sul, confessa, que veio para Istanbul com seu irmão
e irmã, mas esse seu irmão fugiu para a Alemanha logo assim aqui chegou e essa
sua irmã engravidou não muito depois, e o pai do bebé aparente um indigente,
desaparecido, portanto foi Bartuck que acabou fazendo o serviço de pai, e não
está reclamando, pois diz que ama a sua irmã e está muito feliz por poder
ajudá-la porque ela, é uma pessoa muito criativa e fecunda, e revela ainda mais
alguns pormenores engraçadotes sobre sua sobrinha, a pequena Elif. Assim, para
sustentar a família, diz ele que trabalha como bar tênder durante a noite, num
pequeno clube perto de Taksim. Já durante o dia, é um homem livre. E depois de
ter narrado tudo isto, quer ele saber sobre mim, sobre a minha nacionalidade,
sobre a minha presença nesta cidade. Digo-lhe que tudo isso é uma estória
bastante confusa, mas ele fica ainda com mais curiosidade, então, eu tenho de
dizer-lhe que o meu pai era um homem negro e a minha mãe era uma mulher branca,
e que o meu pai trabalhava aqui e ali como vendedor avulso e minha tinha vindo
a ser empregada em cassinos, s vezes em cruzeiros, coisas assim.



Pela
estrada fora, do sul da Turquia meti-me no território Curdo do canto entre o
Irão e o Iraque. Aí travei amizade com hackers que me levaram ao topo do golfo
persa. Meti-me com barões do petróleo e passei certas dificuldades mas consegui
chegar aos Emiratos Arabes Unidos. E do Dubai passei-me ao Oman. Muscat é uma
cidade tranquila, um pouco esquecida, menos importante economicamente que o
Dubai. A cidade é cercada por montanhas escuras, rochas plutónicas constituídas
por serpentinitos, assim denominadas devido semelhança de sua textura com a
pele de uma cobra, rica em magnésio e água, verde-claro ao escuro, aspecto
oleoso e sensação de escorregadio formada por uma hidratação e transformação
metamórfica da rocha ultramáfica do manto terrestre. Um tipo de rocha concebida
a partir do rápido resfriamento de lava rica em magnésio e ferro exposta muito
perto da superfície do planeta terrestre ou da lua. Quer dizer, essa aura negra
em torno da cidade é uma coisa estranha; como que uma ameaça que nunca chega a
manifestar-se, fez-me lembrar as ilhas Canárias, principalmente o Tenerife.
Fiquei doente. Dias depois, já no aeroporto tentando comunicar com estranhos,
um homem do Sri Lanka, empresário de sucesso, meio budista meio muçulmano e não
sei que mais, pagou-me a passagem para o seu país, para a sua cidade, e
hospedou-me numa casa extra em Colombo, aí descansei, fiz vida de praia que não
vou aqui adiantar e por influência externa acabei na Tailândia.



Uma vez em
Bangkok, vim parar numa área chamada Kao San. Ao início uma pessoa confunde
esse termo com as palavras \u201ccaos insane\u201d em inglês, e esta confusão não está
tão longe da realidade. Uma área onde todos vimos ter na primeira vez que
visitamos Bangkok. Uma área cheia de Farangs (turistas ocidentais). Aí, os
comerciantes locais puxariam seu braço na rua para impor seus produtos, coisas
como, escaravelhos assados, pequenos budas luminosos, comida leguminosa com
bastante óleo, Pad thai, roupas hippie chique e pacotes de viagem para lugares
como Pattaya, Puhket e Chiang Mai. Muitos westerns andando de mãos dadas com
garotas tailandesas na rua principal em Kao San. Ainda que essas garotas não
gostem de andar assim de mão dada. A noite todas as boates dessa rua bombando
hip-hop do mais comercial, tentando afirmar-se o mais pro ocidental possível,
gente forçada a festejar, muita insinuação sexual, e claro, esse turismo do
\u201cser feliz por nada\u201d. Sorria ou morra. Enfim, críticas bacocas, não vamos
julgar pelas aparências. Na verdade gostei da aura misteriosa da cidade,
principalmente na área circundante de Khao San, junto ao rio. Muitos locais
deambulando nos seus jardins noite fora. Ali, poderíamos dizer, as pessoas
viviam com os espíritos, como que fora de si mesmas, essa foi a minha impressão
que tive desde o início. Você poderia fazer qualquer coisa, que eles nunca o
iriam julgar. Ou quase nunca.



Eu fazendo
minhas caminhadas pelos canais durante a noite, falava com os lagartos gigantes
vivendo no esgoto, como que dragões mitológicos, e numa dessas ruela estreita,
a dois cinco minutos andando de Khao San, encontrei um hostel barato, perto do
rio. Depois de algumas semanas no hostel, comecei a entender quem eram os
visitantes e quem eram os que estavam hospedados a médio-longo prazo,
trocaríamos observações de vez em quando, nada profundo, não conversávamos
muito, tínhamos aprendido com os locais, contemplar mais e conversar menos, e
quando tu fala, deve falar como se estivesse contemplando. Havia um velho
francês morando aqui, principalmente lendo e bebendo cerveja. Ele falava apenas
quando não havia muitas pessoas por perto. Seu amigo era um russo bronzeado, o
bolchevique falava mais alto, mas sempre esperava que o francês entra-se com o
tema de conversa. Eu só conseguia ver esse russo durante a noite, nunca durante
o dia, enquanto o francês eu o via o tempo todo no pátio da frente, lá em
baixo. Mais, havia uma árvore enorme com flores avermelhadas entre o albergue e
a rua da frente, que não era bem uma rua, mais um beco que ligava rua de
trás, e outro beco levaria você para a rua principal. Isso para dizer que o
\u201chotel\u201d estava como que protegido por essa árvore. E eu entendia o tipo de vida
que o francês estava vivendo aqui. Ele estava vivendo sob esta árvore, quer
dizer, sob essa bênção, isso era o suficiente para ele. Com certeza algum
personagem género Antonin Artaud o trouxe para aqui, ou algo assim, um Artaud
no feminino, talvez, ou sem género. Quer dizer, ele e o russo tinham quartos no
andar de baixo, e s vezes outro rapaz mais jovem também hospedado em um quarto
no andar de baixo, bebia com os eles. Esse rapaz, eu não o conhecia bem, mas
ouvi ele expondo sua história para outros novatos, dizendo que tinha vindo para
a Tailândia de moto, tinha vindo da India ou coisa assim, e parece que já tinha
tido alguns problemas com a polícia neste país, não só por causa da moto, mas
também por causa do uso de maconha em espaços abertos, quer dizer, já tinha
estado na prisão e já tinha pago multas exorbitantes, e teria ainda de pagar
mais, e a polícia tinha guardado o seu passaporte, ele não podia sair daqui
agora.




Portanto, um pouco de arquitectura agora, isto para dizer que esta
\u201cpousada\u201d tinha apenas rés-do-chão e primeiro andar. Eu estava no andar de
cima. O acesso ao primeiro andar era feito através de uma velha escadaria de
madeira, pranchas frouxas que faziam ruídos diversos, ora assobios, ora
gemidos, um tipo de som que combinava bem com o canto daquele pássaro que
ouvíamos noite e s vezes durante a tarde, o Koeli, uma espécie de cuco, que
na verdade nunca vi, mas, diziam que se chamava Koeli. Assim, a entrada do meu
quarto ficava numa varanda interna, de madeira velha, bastante gasta, e as
pessoas que ficavam nos quartos ao redor penduravam roupas no corrimão dessa
varanda comum. Por conseguinte, todas as manhãs, quando abria a porta, podia,
pelo género de roupa ali pendurada, discernir sobre o tipo de vizinhança que
estava tendo. Quanto ao quarto, era minúsculo, só uma cama e um ventilador no
canto. Alguns rabiscos nas paredes, em vários idiomas. E atrás de mim, atrás da
almofada, no canto entre o tecto e a parede, um pequeno orifício rectangular,
uma espécie de janela com rede empoeirada, na verdade dois desses orifícios,
esse por trás de mim e outro minha frente, por cima da porta, coisas que mais
não eram do que respiradores, que permitiam a circulação do ar da varanda para
os quartos interiores, vim a perceber. Mas por esses orifícios, passaria não só
o ar mas também todo o tipo de sons. Não é que houvesse grande circulação de
barulhos neste hostel, pelo contrário, mas por vezes, podia-se ouvir certas
conversas, gemidos, suspiros, indo de quarto em quarto, e saindo quem sabe pelo
lado contrário. Voltando ao meu cubículo, o ventilador girando noite e dia, sem
parar, era esse meu melhor amigo. Mas, exponhamos, a pessoa que ficou no quarto
oposto ao meu, nos primeiros dias de minha estadia, foi nada mais nada menos
que um japonês, jovem, parecia-me, quer dizer, eu nunca o via, mas ele falava
ao telefone a meio da noite. Alguém devia estar muito preocupado com a sua
pessoa, o que ele mesmo acabou confirmando mais tarde, antes de partir. E dias
depois de sua partida, uma garota alemã veio morar para essa mesma cela. Por
vezes ela cantava, mais como um murmúrio, outras vezes ouvia-se musica reggae
saído do seu celular ou laptop ou fosse o que fosse, ou seja, pela manhã,
acordava eu com aquelas músicas dela, e era/é estranho e agradável, ser
desperto assim pelo nosso duplo, bem-disposto.



E é já numa
dessas manhãs que escuto \u201csuper ape\u201d dos Upsetters, a antiga banda do Lee
\u201cScratch\u201d Perry, um álbum que que me dizia/diz ainda bastante, e enquanto a
coisa toca, nós acabamos compartilhamos algumas piadas estúpidas através do
janelo atrás de mim, esse que ainda agora descrevi, e era divertido falar com
alguém assim, através de um buraco, sem nos podermos ver. Então, fizemos um
acordo, iriamos intervalar as músicas, ou seja, uma vez seria ela a escolher
uma música e depois seria a minha vez e assim sucessivamente. Então, depois do
\u201csuper ape\u201d injecto eu o \u201cpanic in Babylon\u201d também do \u201cScrach\u201d Perry, uma
música que ela mesmo teria escolhido, já sabia, e a sua escolha seguinte foi
\u201cmr sun\u201d de Don Carlos, bem metido também. Depois, seguiriam-se ainda coisas
como: \u201cblack roses\u201d de Barrington Levy; \u201cchasing the devil\u201d de Max Romeu; \u201cno
no no you don\u2019t love me and I know now\u201d de Dawn Penn; \u201cPerfídia\u201d de Phyllis
Dillon; \u201cJava\u201d de Augustus Pablo; e outros temas de maestros do reggae/dub como
King Tubby, Scientist, Mad Professor etc. Bem, lembro-me que essa maratona
reggae havia de terminar com algo totalmente diferente, ou seja, \u201clanquidity\u201d
de Sun Ra. E só depois dessa música surgiu alguma conversa com pés e cabeça,
ela me confidenciou, através do postigo, o propósito de sua estadia em Bangkok.
Acontece que, lá na Alemanha, ela tinha terminado com seu namorado, o seu
trabalho, a sua família, fez as malas, e se decidiu a fazer o afamado \u201csouth
east asia tour", pois precisava refrescar sua mente. Dito e feito, aterrou
no Camboja, e depois de Bangkok o plano era seguir para a Malásia, Singapura,
Indonésia, até ilha do Bali. Mas eu a aconselhei logo a riscar o Bali do seu
plano, por ser um lugar assumidamente turístico, demasiado comercial. A
recomendei a ir mais para leste, para o Sulawesi, ou para as ilhas Maluku, etc.
Depois ela quis saber sobre mim. E eu lhe menti, disse que minha família morava
na China, que não sabia nada sobre o oeste, que tinha crescido em Hong Kong,
etc. \u201cMas não pareces bem chinês!\u201d; diz ela. "Como sabe? Não consegues ver-me a cara!"



E assim,
algum dias depois dela se ter ido, recebi correspondência sua. Me enviou fotos
de Malaka, para confirmar que estava realizando seu plano. E para o seu antigo
quarto veio um casal do Taiwan, penso que eles eram muito tímidos e tinham um
certo medo de mim, não sei bem porquê. Uns dias depois o quarto ficou vazio
durante algum tempo, até que uma gaiata tailandesa veio morar lá, aqui.
Novamente, falando através da parede. Ela diz que tinha acabado de chegar dos
Estados Unidos. Tinha ido para lá engajada com um tipo, mas quando lá chegou,
aos States, entendeu logo que o desgraçado era casado, tinha filhos e tudo, ou
seja, a estória quase clássica do engatatão extraviado. Então, desprezada pelo
gajo, a sua situação virou triste, não gostava mais da Amerika, e quis voltar,
mas pagar a passagem de volta não seria fácil, ainda assim conseguiu, a groso
modo. Quer dizer, agora, aqui, a sua situação tambem não estava melhor,
confessava ela. Sem trabalho. Sem dinheiro. Sem amigos. Isto porque, ela não é
de Bangkok. Diz ser original de uma província do Isan, do Sânscrito \u201c\u012b\u015b\u0101na -
Shiva do nordeste\u201d. Mas eu estava a achar o seu queixume um pouco intrigante,
na verdade, ela me parecia esperta demais para ser levada a sério, e falava bem
inglês, etc.



Então,
acontece que, uma noite ela bebeu mais e começou proclamando um discurso deste
género: \u201cAs vezes me sinto como uma tartaruga que está sendo grelhada no carvão
e morrendo lentamente. Não importa o que eu faço, não importa o quanto eu tente
escapar, não consigo. Sou impotente para mudar meu destino. Eu me pergunto se
nasci para ser infeliz; se é esta vida o meu destino? Rezo a Buda para que não
seja esse o caso. Minha vida parece o de uma camponesa que passou seus dias
fugindo de um tigre, apenas para ser comida por um crocodilo. Na verdade você
pode comprar-me por 2.000 baht ou menos. Estou gostando de si \u2013 mas veja - eu
sou uma ex-prostituta desesperada, embora os \u201cfarangs\u201d prefiram chamar essas
mulheres de "garotas de bar", mas nomenclaturas parte, é tudo a
mesma coisa... Meu trabalho não significa mais nada para mim. Há muito tempo
que desisti de qualquer esperança de felicidade. Existo para o prazer dos outros.
Minha única certeza em minha vida é a incerteza. Não poderei dizer quantos
homens me compraram, talvez isso não importe. Prefiro não me lembrar deles. Na
Tailândia, não falamos sobre esses assuntos privados. Não é costume falar de
coisas que devem ser esquecidas. A única coisa que importa é a quantidade de
bahts que uma pessoa acaba recebendo. Embora eu saiba que há casos muito piores
que o meu\u2026 Quer dizer, pior ou melhor pode não quer dizer nada para você...
Como já disse, você me pode comprar por 2.000 baht, e eu em troca farei quase
tudo que me for pedido, mas não vou beijar os clientes - algumas coisas não se
devem fazer com um estranho \u2013 ainda que você não seja mais um estranho para
mim. Beijar é coisa para fazer com uma esposa ou namorado; e as massagens,
neste trabalho, são mais importantes do que o sexo em si. Se nós nos fôssemos
encontrar, você poderia comentar sobre como eu pareço um pouco diferente de
outras mulheres tailandesas\u2026 Você poderia dizer que meu rosto é redondo como a
lua cheia no céu, etc. Essa é uma característica que herdei do meu pai; meu pai
nasceu em Ubon Ratchathani, a segunda maior província de Isan. Ai, na fronteira
com o Camboja, cresci junto duma antiga base aérea americana, um local que foi
importante durante a guerra do Vietnam. O meu pai era soldado aí, depois
tornou-se sargento-mor, responsável pela instrução de novos recrutas. Mas meu
pai era também um jovem inquieto\u2026 Lembra-me ainda, quando eu era pequena, ele
me costumava colocar numa "krae", quer dizer, uma mesa baixa de
bambu, e uma vez eu aí instalada, ele me contava como tinha vindo parar
província de Nlkakhon Ratchasima, comumente chamada de Khorat, e como tinha
ficado fascinado por uma bela jovem que trabalhava lá numas tendas do mercado.
Quer dizer, tenho ainda uma fotografia a preto e branco dessa jovem menina, que
ele falava, a suposta minha mãe, foto essa tirada poucos dias depois de se
conhecerem. Seu rosto oval emoldurado por seu cabelo preto e brilhante,
repartido no centro e preso em um coque perfeito no topo da cabeça. Ela usando
um vestido de bolinhas sem mangas com decote em vê e sorrindo docemente para o
fotógrafo - de um jeito que só os amantes sabem fazer. Me lembra ainda, de
minha mãe, que ela se costumava louvar, enumerando todos os homens que a flertavam.
Ela era realmente orgulhosa de sua beleza, especialmente porque teve que deixar
a escola na terceira classe e se virar sozinha, porque sua família precisava da
sua ajuda nos trabalhos campestres\u2026\u201d

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